LIRA I
Eu, Mar�lia, n�o sou algum vaqueiro
Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, de express�es grosseiro,
Dos frios gelos e dos s�is queimado;
Tenho pr�prio casal e nele assisto;
D�-me fruta, legume, vinho, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite
E mais a fina l�, de que me visto,
Gra�as, Mar�lia bela,
Gra�as � minha estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda n�o est� cortado:
Os pastores que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado;
Com tal destreza toco a sanfoninha
Que inveja at� me tem o pr�prio Alceste;
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra que n�o seja minha.
Gra�as, Mar�lia bela,
Gra�as � minha estrela!
Mas tendo tantos dotes de ventura,
S� apre�o lhes dou, gentil pastora,
Depois que o teu afeto me assegura,
Que queres do que tenho ser senhora;
� bom, minha Mar�lia, � bom ser dono
De um rebanho que cubra monte e prado;
Por�m, gentil pastora, o teu agrado
Vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Gra�as, Mar�lia bela,
Gra�as � minha estrela!
XXX
Tu n�o ver�s Mar�lia, cem cativos
tirarem o cascalho e a rica terra,
ou dos cercos dos rios caudalosos,
ou da mina serra.
N�o ver�s separar ao h�bil negro
do pesado esmeril a grossa areia;
e j� brilharem os granetes de ouro
no fundo da bateia.
N�o ver�s derrubar os virgens matos,
queimar as capoeiras inda novas,
servir de adubo � terra a f�rtil cinza,
lan�ar os gr�os nas covas.
N�o ver�s enrolar negros pacotes
das secas folhas do cheiroso fumo:
nem espremer entre as dentadas rodas
da doce cana o sumo.
Ver�s em cima da espa�osa mesa
altos volumes de enredados feitos;
ver-me-�s folhear os grandes livros,
e decidir os pleitos.
Enquanto revolver os meus Consultos,
tu me far�s gostosa companhia,
lendo os fastos da s�bia, mestra Hist�ria,
e os cantos da Poesia.
Ler�s em alta voz, a imagem bela;
eu vendo que lhe d�s o justo apre�o,
gostoso tornarei a ler de novo
o cansado processo.
Se encontrares louvada uma beleza,
Mar�lia, n�o lhe invejes a ventura,
que tens quem leve � mais remota idade
a tua formosura.